Katie Melua

terça-feira, 24 de julho de 2007

Simplesmente Maria




Era noite e lá fora a chuva caía levemente como se de neve se tratasse. Olhei pela janela e reparei que os telhados brilhavam, as árvores sorriam e na rua formavam-se várias poças que reflectiam o céu cinzento por entre os pequenos círculos da chuva.

Dirigi-me para a sala e acendi a lareira para poder ficar com uma temperatura amena. Liguei a televisão. Depois de vários “zapping”, aborreci-me. Decidi ir até à biblioteca, para mim, um dos locais mais aprazíveis da casa e sentei-me na poltrona em couro castanho. Na parede em frente tenho a minha vastíssima colecção de livros, tudo bem separado para ser de fácil procura. Predominam os romances, ou não seria eu um eterno romântico apaixonado pela vida. Perdido no olhar, observando cada um deles, deparei-me a fixar o olhar num deles: “Vai onde te leva o coração” de Suzanna Tamaro. Recordei a leitura e sorri. Sorri porque é assim que gosto de viver, sentindo a vida e ir onde o meu coração me quiser levar, apesar deste meu coração romântico me levar por vezes, por caminhos tortuosos.

Pouco me importa neste momento essas dores passadas, que embora me atormentem de vez em quando, faço os possíveis para que permaneçam no seu lugar… no passado. A verdade é que na maior parte do tempo não consigo.

Dirigi-me de novo para junto da janela, continuava a chover no entanto agora o que via não me parecia tão sorridente. A tristeza invadira-me o coração, ou talvez fossem apenas as saudades.... de alguém ou de alguma coisa. Não sei!

Aquele livro…ah ou seria da solidão? Aquela que não me larga, nem mesmo quando os amigos me invadem a casa, desde aquele dia em que te partiste sem dizeres uma palavra, sem réstia de consideração por todo o amor que te dava, que sentia por ti e… que ainda sinto.

Cada dia que passa afasta-me cada vez mais de mim mesmo e aproxima-me assustadoramente da memória de ti, dos nossos momentos, das recordações que eu tento a todo o custo apagar.

Apetecia-me falar-te, fazer-te perguntas: Que nos acontecera? Nunca me amaste?
Roubaste do meu peito, todos os sonhos, todas as emoções e estupidamente eu deixei-me levar pelo coração …. que engano.

Mas não desisto de me deixar levar… mas este maldito apenas me transporta para o teu lado, mesmo sabendo que tu já lá não estás, que nunca estiveste. Tento largar a tua imagem, mas sigo-te como a uma miragem… e não te alcanço. Imagino os teus braços abertos que nunca se fecham para me abraçar. Faço de ti o meu horizonte quando te encontro em todo o lugar. Tua boca, teu corpo, o teu silêncio devastador….

Nunca mais disseste uma palavra, nem te interessaste por saber se era vivo… tentaste saber de mim através de amigos comuns, mas nunca tiveste a coragem de pegar no telefone e dares um simples “Olá”.
Tu sabias o quanto me tinhas magoado, sabias que te perguntaria vezes sem conta “O que nos acontecera?” até que obtivesse uma resposta.

Mas sabes, foi sempre o teu silêncio que me arrasou, mesmo quando estávamos juntos limitavas-te a superficialidades, quando te perguntava algo respondias com monossílabos como se fosses uma criança. Era assim que eu te sentia mulher-menina … dona e senhora da minha vida fonte dos meus desejos.

Nunca me falaste de ti, o que eu pensava conhecer de ti (e digo pensava porque hoje estou certo que nunca te conheci.)… depreendia-o através dos teus gestos, das breves observações que fazias sobre banalidades.

Nunca me disseste o que gostavas, eu adivinhava-o pelas reacções do teu olhar, do teu corpo, das subtis mudanças de expressão do teu rosto. Adivinhei mal e tu nunca me o disseste, e eu tolo achava que eras feliz do meu lado. Pobre pateta …. tão cego andava eu pelo teu amor, e continuo… pois desejo a cada instante o teu regresso.

O teu silêncio, se soubesses a angústia de não ter podido fazer nada, a estúpida sensação de impotência, senti-me um inútil incapaz de te fazer feliz, incapaz de te ver partir desejoso de te ver voltar. E nem na partida a tua boca se abriu…., apenas insultos mas nunca uma explicação um porquê.. O que nos tinha conduzido até aquele momento? Porque ficaste tanto tempo se nunca me amaste?

Lembro-me daquela noite… chovia tal como hoje, violentamente o vento soprava, pelo céu irrompiam relâmpagos seguidos de enormes estrondos ensurdecedores. Entrei em casa completamente encharcado, deparei-me com um estranho silêncio, olhei o relógio, eram 20:30 e pensei “já devia ter chegado…”

Percorri o hall e fui directo à cozinha, que ficava do lado oposto da casa, bebi um copo de água e dirigi-me para a sala. Fiquei paralisado à porta, lá estavas tu, silenciosamente sentada no escuro. A luz da rua iluminava discretamente o teu rosto e apercebi-me que estavas a chorar. Aproximei-me de ti, sem proferires uma única palavra levantaste-te de rompante, esticaste o braço, afastaste-me do caminho com desdém e seguiste até à porta. Paraste.

Lembro-me que olhava para ti e tu permanecias imóvel como uma estátua de costas para mim. Eu fiquei colado ao chão, tudo me parecia tão surpreendente, aliás tu eras surpreendente, mas era isso que me prendia a ti, era essa a minha âncora a minha amarra, e tu o meu mar violento que mexia com a minha existência de uma forma única e deliciosamente inexplicável e incompreensivelmente tão irracional.

De repente viraste-te para mim, deste dois passos na minha direcção e paraste, parecia que as palavras se te prendiam na garganta, não aguentei mais e perguntei

- Que se passa Maria?
A tua resposta foi um profundo e prolongado suspiro, caminhei até ti
- Pára!! – Gritaste.
- Que aconteceu? Ainda ontem estavas tão bem, alguma coisa comigo? Fiz-te algum mal Maria….. Não te compreendo
- Pois o mal é esse…..
- Que queres? – perguntei num tom desistente.

Dirigiste-te novamente para a porta pegas-te no casaco, com a aquele teu ar tranquilo e avassaladoramente silencioso. Estranhamente o teu olhar secara e de lágrimas nem sinal.
Não aguentei…. corri para a porta e perguntei numa tranquilidade quase frágil

- Que estás a fazer? – Como se eu já não soubesse que o que mais querias era saír por aquela porta sem sequer olhares para trás.

- Não quero nada…. nem sei se algum dia quis….
Os teus olhos pareciam punhais tamanha era a frieza, não só das palavras como a que vi naquele instante contida em teu olhar.

- Não acredito… Maria…. que frieza … algo aconteceu e eu não vi…. - pois eu estava cego.

- Pois o problema sempre foi esse… ou nenhum, provavelmente o problema sou eu…. Estou cansada desse teu amor patético… ainda hás-de me dizer o que te dei? – elevaste subitamente a voz – Nunca te dei NADA! Mas esse teu amor por mim é tão submisso, tão permissivo… tão patético. A palavra é mesmo essa Patético. Cansa-me, esgota-me tanto amor … tanta tolerância……

De repente deixei de te ouvir, recolhi-me no meu silêncio, via os teus gestos, sentia a agressividade das tuas palavras e senti-me verdadeiramente patético. O que nunca disseras disseste-o num segundo, e tinhas tudo isso dentro de ti e eu nunca vi, nunca sequer o imaginei, pior nunca o senti. Vivi uma ilusão com uma pessoa que eu inventei, tão imaginária como qualquer personagem de BD, e ao mesmo tempo tão real
Fiquei parado no hall de entrada a olhar para ti enquanto falavas. Imóvel escondido no meu silêncio de não te querer ouvir. Antes de saíres ainda te ouvi dizeres:

-…. desculpa se te enganei nunca compreenderás porquê. Esse teu amor por mim nunca permitiu que visses quem sou, eu tentei, Adeus!

Sorri, nem me lembro bem porquê, por ironia talvez. Guardei na memória “eu tentei”. Tentaste o quê? Dizer-me? Fazer-me entender? Será possível que o meu amor por ti tenha sido tão cego, tão patético, como tu mesma disseste? Não sei. Mas se esse meu amor foi patético ainda o é, porque ainda te recordo com carinho, com dor com ódio. Sim Maria… o amor e o ódio andam tão próximos como a guerra da paz e a coragem do medo.

Estás a ver… ainda falo contigo como se estivesses aqui, ao alcance da minha mão. A cada dia que passa chego à conclusão que ainda te amo, que não te esqueci, provavelmente nunca te esquecerei porque a vida não permite que coexistam na mesma existência duas Marias. E nunca me fizeste bem, é o que me dizem e eu sei que é verdade, mas deste-me coisas que ninguém imagina o quanto me fizeram bem, o quanto me enalteceram.

Será que te amo porque mendigo amor por ai como um idiota? Tu foste aquela que engrandeceu a minha tão pequena existência, encheste de luz o meu mundo que as amarguras da vida escureceram… foste tu, só tu Maria.

Hoje estou aqui arrependido ou não, não sei. Mas só … só quando o teu cheiro ainda enche esta casa, quando as memórias de ti não me deixam esquecer-te. Não esqueço o teu sorriso traquina… a tua tranquilidade a cada passo… a segurança com que entravas numa sala e a deslumbrante luz com que a enchias num instante, no terno esboçar de um sorriso.

Este ser patético, aqui permanece, amarrado ao amor que te tem… perdido num mar infindável de perguntas sem resposta, desde o dia em que partiste. Porque partiste? Como podes dizer que nunca me amaste se eu tão intensamente assim o senti? Foi um engano, uma ilusão… mas que magia tal exerce esta minha fascinação por ti. Puro deslumbramento, insanidade talvez.

Há dias em que desisto de tentar explicar, outros em que tento a todo o custo arranjar um motivo um ponto de partida que me ajude a esquecer-te. Faço um esforço para que o ódio do abandono vença a estupidez deste amor e não consigo. Como se tudo o que por ti sinto fosse mais forte, mais poderoso que qualquer desejo meu de paz. Essa paz que não encontro, que nem sei mais se existe, mas que certamente nunca conheci a teu lado.

Talvez o meu amor por ti se tenha alimentado de pequenos nadas, talvez tenha sido um amor auto-suficiente que para não se extinguir alimentou-se da ilusão de que era correspondido. Porque eu sentia que me amavas, embora tu nunca o dissesses. Via-o no teu olhar, nos teus gestos na alegria que encontravas do meu lado…. nas gargalhadas, nos momentos que partilhávamos e na cama... Sim Maria, jamais esquecerei os teus beijos, o doce sabor dos teus lábios, o delírio que era para mim tocar teu corpo, beijar-te os seios, sentir-te enlouquecer… O ondular do teu corpo no meu colo… os gemidos no meu ouvido, as tuas mãos a passear no meu corpo. Os teus seios no meu peito… a sensualidade com que os roçavas no meu rosto. Tudo Maria.
Fazias amor como uma deusa…. Nunca poderás compreender o teu poder, mulher-menina rainha dos meus sonhos, nunca compreenderás o que é poder estar dentro de ti… uma união plena, um despertar deslumbrante para a vida, um renascer a cada instante em que te toco… ou melhor tocava. Maria…. sempre, eternamente Maria …

Bom ou mau, recordo-te como só eu te conheci, ou imaginei, como queiras…. serás sempre mulher-menina, a deusa que entrou e transformou a minha vida a rainha dos meus sonhos, dona e senhora dos meus desejos…. Eternamente tu … simplesmente Maria!

Um comentário:

Anônimo disse...

-Com quem fizeste amor ?
Parei a porta do quarto ainda sem me voltar para ela. Tres quatro segundos, seriam horas ?
-Contigo,
-Tenta outra vez.
Virei-me lentamente para a cama e encarei-a.Queria tao somente sair dali,evaporar-me,ser cego. Olhei-a demoradamente sabendo que traia a minha culpa, ate que consegui por os olhos no chao de madeira envernizada. A seda de uma outra pele ainda na boca, a hipnose acetinada de outros lencois, o coracao desritmado preso a uma outra madrugada...a vida a dancar-me num delirio demente de uma verdadeira paixao.
Era Natal. Um natal inventado.
Abri a porta e sai.