Katie Melua

sábado, 26 de setembro de 2009

Ainda sem título... I Parte


Era uma tarde de verão solarenga e abafada, daquelas em que o céu parece pairar sobre as nossas cabeças, como se pudesse abater-se sobre a terra a qualquer momento. Parecia apenas e só mais um dia de verão igual a tantos outros

As horas passavam lentamente, sem pressa. Saí de casa, senti o bafo quente do ar que parecia querer sufocar-me. Entrei no carro e segui, sem pressa, numa falsa e triste calma. Fui sem rumo certo. Acabei a conduzir pela Marginal rumo a Cascais, um caminho que me era docemente familiar, uma estrada que conheço de cor e onde, já antes, me perdi tantas e tantas vezes, uma estrada onde a tristeza já me tinha conduzido vezes sem conta.

No pensamento um vastíssimo vazio, de uma simplicidade mais complexa do que eu era capaz de admitir. Do meu lado esquerdo estendia-se o rio rumo à foz onde abraça o mar, se mistura, perde e transforma, onde se funde no sal imenso do mar.

Adoro o mar! Tem uma força, uma vastidão que me cativa, que me prende e me acalma. Parece que afogo nele a minha dor, a minha tristeza as minhas angústias e renasço, refeita de coisa nenhuma de cada vez que pouco o meu olhar sobre as suas águas.

Parei junto à praia e deixei-me ficar por ali dispersa em tudo e em coisa nenhuma e esqueci-me do tempo a passar. Embrenhei-me de tal forma em mim mesma que nem dei pelo pôr-do-sol lá longe no horizonte. Nem me apercebi que já a noite despontara, cobrindo com o seu manto tudo em meu redor. Estava lua nova anunciando uma noite escura como breu.

Quando dei por mim, ali parada de frente para o mar, esquecida de viver, era noite cerrada. Foi como se estivesse num estado de apático, adormecida, inconsciente. Tinha as pernas dormentes, não sei quantas horas ali estive mas certamente foram muitas. Não sei se o pôr-do-sol foi genial, só sei que estava noite cerrada quando voltei a mim, acordei.

A mim pareceu-me que ali tinha estado parada dias a fio, a mim pareceu-me a vida toda. Numa contradição, podia jurar, não fosse já ser noite, que tanto acreditava que ali tinha estado o dia inteiro como apenas breves minutos. Na verdade não tenho noção do tempo que passou enquanto ali estive, tanto me parecia um minuto como a vida toda.

Não sei o que me levou até ali naquela tarde de verão, ou talvez simplesmente não seja capaz de reconhecer para mim mesma o que na verdade me levou até ao lugar onde hoje me encontro.

Era ininterrupto… Um abraço que se perde no tempo, um beijo que se esquece de dar ou de ter dado, mas hoje era a solidão a dor sem interrupção sem um ténue vislumbre de que pudesse ter fim.

Mais uma das tua inúmeras fugas, e a pergunta que pairava no ar nem era se voltavas, voltavas sempre, podia ser por um dia, por umas horas, semanas, meses mas voltavas. O tempo tinha-me dado essa estranha certeza. A pergunta era outra, seria desta vez que eu tinha a coragem de não te abrir, mais uma vez a porta? Seria eu capaz de fechá-la definitivamente? Ou pensaria, mais uma vez, que seria capaz e, ao ver-te chegar, tão seguro de ti mesmo, tão cheio de sonhos e esperanças, perderia a coragem e escancarava a porta para te receber, como outras vezes fiz? Voltarias mais tarde, num dia qualquer sem avisar, sem perguntares sequer se podias, e aí, seria eu capaz de não te receber, de ao menos hesitar? Seria?

Irias escrever de vez em quando, perturbar a minha paz com as tuas palavras, que me embriagavam, encheres-me de sonhos e promessas e desapareceres novamente até um outro dia. Existirias para mim a espaços, aqui e ali a salpicares sem sentido a minha existência, a invadires a minha cama numa madrugada qualquer. Sem perguntas nem respostas, ias e vinhas apenas por saberes que eu largava tudo de cada vez que tu chegavas. Vivias com a certeza de poderes voltar e eu com a certeza que voltavas deixava-me apenas existir.

De cada vez que partias apetecia-me fugir, desaparecer, evaporar-me, fechar a porta, mudar de morada e apagar o teu rasto que eu seguia até mesmo inconscientemente. Eu era duas em paralelo aquela que espera e a que deixa a vida acontecer mas sem grandes expectativas não vás tu entrares pela porta a qualquer momento, não vás tu querer voltar. Vivia disponível para ti, sempre, mas inconscientemente indisponível para toda a gente.

Quando recebia uma carta ou um postal teu surgiam todas as dúvidas se algo estava a começar terminava mesmo ali mesmo antes de começar. Desta vez a tua fuga tinha-te levado até à Alemanha. Recordo aquela tarde em que chegaste a casa sorrindo com um ar jovial e alegre, com aquele teu ar de quem é capaz de conquistar o mundo e dominá-lo até se quiser. Trazias uma novidade vinhas extasiado, com a perspectiva de um trabalho na Alemanha, aliás partirias brevemente, irias ganhar muito dinheiro, quem te ouvisse, pela forma como falavas, certamente era capaz de acreditar até, que irias ficar rico, eu conhecia aquela lengalenga de cor e salteado. Mais uma vez apanhada de surpresa, bem na verdade eu já esperava que isso viesse a acontecer, só não sabia quando, mas a esperança que talvez desta vez fosse diferente morreu naquele instante. Partias dentro de uma semana anunciaste alegremente e no teu olhar havia um pedido para que eu partilhasse aquela alegria contigo, não fui capaz, tinha um nó no peito, a garganta seca e sentia uma dor aguda e fulminante era uma dor emocional mas parecia quase física.

- Queres vir? Vem Comigo! – quase me soou a piada, saída de um daqueles filmes sem graça nenhuma.
- Claro…, deixo tudo e lá vou eu para a Alemanha, fazer o quê?
- Não sei logo se vê…
Mais uma vez deu-me vontade de rir um riso misturado com angustia que me dava a certeza de que a tua partida era inevitável, tão real como ter-te naquele momento à minha frente.

Eu não podia abandonar tudo, não tinha a tua coragem e muito mesmo o teu espírito de aventura, já arriscara antes e conhecia as consequências, além do mais conhecia-te o suficiente para saber que não poderia contar sempre contigo, outras fugas viriam, tu eras imprevisível. Não nego que era essa mesma imprevisibilidade que me fascinava, aliás isso tinha tanto de fascinante como de aterrador, era ela que me causava angustia e dor inúmeras vezes.

Partiste uma semana depois, beijos lágrimas as promessas vazias do costume, pedias-me que te esperasse e eu jurava que sim. A tua promessa vã de que brevemente regressarias, esquecias-te é que para ti brevemente poderia ser um ano como da última vez. Não deixas-te morada nem telefone, apenas sabia que embarcaras rumo a Munique, soube mais tarde que acabarias por assentar, por uns tempos em Leipzig.

Nas primeiras semanas após a tua partida corria de casa para o emprego para esperar um telefonema teu ou ver se chegara alguma carta. Não poderás jamais imaginar a angustia a tristeza, as noites passadas em claro, os maços de cigarros que fumei, noites houve em que acredito ter contado todas as estrelas do céu. Mas o tempo foi passando, um dia atrás do outro, e a ansiedade foi diminuindo até quase desaparecer. Deixei de ir a correr para casa aquelas paredes pareciam não ajudar a esquecer-te ou pelo menos a afastar-te do pensamento.

Chegou o Natal nessa altura já a minha vida ia acontecendo, tinha posto um ponto final naquela espera doentia, comecei a sair com os amigos, noitadas, copos um ou outro olhar interessante mas continuava interiormente confinada a um espaço onde apenas existias tu. Na verdade não suportava estar em casa à noite, parecia que a noite me trazia de ti o teu cheiro, as tuas memórias, o teu nome. Recordava-me que te tinha perdido para um Mundo do qual eu nunca faria parte, e duvidava, muitas vezes, se era porque não me querias lá ou porque eu não tinha coragem suficiente para fazer parte dele e aventurar-me a teu lado por esse mundo fora.

Saía todos os dias até de madrugada, chegava tão cansada que apenas era capaz de cair na cama e adormecer, depois acordava de manhã e saía para enfrentar mais um dia. Às vezes durante o dia quase parecia que não existias “Quantos dias se passam sem tu apareceres. E às vezes penso é bom que assim seja para eu aprender a estar só”

Tinha medo do silêncio, do silêncio e daquelas quatro paredes que se fechavam sobre mim de cada vez que me apanhavam entre elas. Recordações a mais tão vividas que me atormentavam, como fantasmas, de cada vez que a noite caía. Ainda havia sítios onde não ia, músicas que não queria ouvir e uma casa, que era minha, e onde não queria estar a rua era o meu refúgio, a noite, os bares e discotecas de Lisboa e um grupo de pseudo-amigos que de mim sabiam pouco mais que o meu primeiro nome.

Uma vida fútil, vazia mas que me fazia andar à tona de água que me dava a capacidade de sobreviver e enfrentar o dia a dia, sem me afogar, sem perder definitivamente o pé. Pelo menos, aparentemente vivia, aparentemente para quem me rodeava eu estava a “superar bem”. O resto pouco ou nada importa, como eram as minhas noites, os meus dias sem ti, nunca saberás, como nunca ninguém soube.
Uma noite após a outra, passavam por mim sem que eu desse por isso, sem que eu parasse para ver, para poder aperceber-me que embora vivesse tinha parado de viver.

As tuas cartas alimentavam por breves instantes as minhas esperanças finalmente uma morada para onde eu podia enviar cartas que provavelmente nunca lerias. Seguiam apressadas umas atrás das outras nada havia para contar se não o que se passava dentro de mim. Chegou um convite para te visitar em Lepzig iria ter contigo a Munique, uma semana. Mais uma vez, sem hesitar sem olhar para trás, aceitei.
Recordo-me que era inverno, talvez fosse Janeiro, não sei ao certo, apanhei o avião em Lisboa, deveria chegar a Munique ao fim da tarde. Rumei a Amesterdão onde faria uma curta escala, e depois a Munique. Cheguei a Munique já era noite embora ainda fossem 17 horas. Saí do avião a pé dirigi-me ao tapete para recolher a mala e fui até à sala de chegadas, lá estavas tu, viste-me sorriste, correste para mim como uma ansiedade quase infantil e um sorriso que, juro parecia capaz de iluminar uma sala inteira. Abraçaste-me como se me quisesses fundir em ti. Foram dias maravilhosos, não posso dizer que matei todas as saudades mas senti como se nunca tivéssemos estado separados nem por um só instante. Era isso que era mágico, podíamos estar meses a fio separados mas quando estavas juntos nada disso importava, nunca perdíamos tempo a falar do tempo que tínhamos estado separados mas sim a aproveitar o pouco tempo em que estávamos juntos. Ofereceste-me uma escultura em madeira, talhada no tronco de uma árvore tinha precisamente 1 metro e 78, era o meu corpo reconheci-o… mas sem rosto, apenas o corpo. E nas costas escrito “Curinga” representado pelo 2 de espadas, um símbolo que apenas tinha significado para nós. Infelizmente a escultura acabaria por ficar na Alemanha, tinha sido esculpida pelo simpático dono da estalagem onde residias. Berghütte van den Berg (qualquer coisa como refúgio da montanha). Foi até engraçado que quando me viu perguntou-te num inglês tosco se eu era a rapariga da escultura. Pelo o que fiquei a saber já lhe tinhas falado em mim muitas vezes, o que me fez sentir uma espécie de conforto absurdo, como se fosse a prova de que, também tu, não tinhas deixado de pensar em mim.

Recordo-me que a semana passou num ápice, quando dei por mim estava de regresso a Lisboa e à vidinha de sempre, mas com a promessa que voltarias definitivamente para Lisboa antes da Primavera. Claro que definitivamente nada mais era que até uma próxima vez.

Os dias foram passando, quando regressei escrevias-me e telefonavas com muito mais frequência, não havia semana em que não recebesse uma carta tua ou um portal, telefonavas com alguma frequência e a minha existência tornava-se mais suportável.

O Inverno passou e chegou Abril, era Páscoa eu estava de férias em casa, recebi um telefonema teu, como já era habitual, falamos durante alguns minutos, despedimo-nos com um beijo e um tímido gosto de ti… No dia seguinte recebi um envelope com um bilhete de avião para Paris e um cartão a dizer “Vem ter comigo, espero-te!”, a partida estava marcada para o dia seguinte.

Parti de manhã bem cedo, estava um magnifico dia de primavera, na mala levava pouca roupa, fui sem saber quando regressaria o bilhete era só de ida, mas também não era grave ainda tinha cerca de uma semana de férias, daria tempo para marcar o regresso. Cheguei a paris a Orey na sala de desembarque lá estavas tu à minha espera, saímos do aeroporto e rumamos ao centro de Paris. O dia estava frio, ao contrário da manhã primaveril de Lisboa, abraçaste-me caminhamos abraçados pelas ruas de Paris junto ao Senna, numa paisagem romântica onde parece que o Amor paira no ar constantemente. Começou a chover, apanhamos um táxi e fomos até um café tipicamente Parisiense daqueles que vimos no cinema, sentámo-nos junto a uma senhora com um cão ao colo, verifiquei que é normal em Paris ir-se ao café e levar o animal de estimação e não são apenas cães os gatos também. Bebemos um Café Parisienne. Depois levaste-me ao hotel que ficava no bairro de Montparnasse, de lá avistava-se a Torre Eiffel, disseste que tinhas uma surpresa. Perguntaste se tinha trazido algo para vestir, percebi o que querias dizer, mas não, não trouxera nada de mais sofisticado penas umas calças de ganga. Voltámos a sair por um emaranhado de ruas e vielas e levaste-me a uma loja para comprar um vestido. Voltámos ao hotel para trocar de roupa, e saímos a pé, estava frio, como se fosse inverno, caminhamos até que parámos junto à Torre Eiffel, (para continuar…)

Do outro lado da cama...



Mais um dia apressado que chega ao fim, sem que demos conta que acabou. Ainda há pouco o sol parecia ter nascido e já a noite me cobria negra com o seu manto. Lá fora a cidade teimava em não dormir, os carros corriam apressados e ainda se ouviam as conversas de quem passa rumo a uma noite, quem sabe de euforia. Sexta-feira, mais um fim-de-semana sem planos, sem companhia.

Era cedo mas deitei-me, peguei num livro, que tentava teimosamente ler sem nunca conseguir passar das primeiras páginas, não que o autor fosse enfadonho, mas ultimamente o sono chegava de rompante. Andava esgotada, ocupava-me com tudo e com todos, menos comigo, tinha mergulhado de cabeça em mais um projecto, como era meu costume, e isso consumia-me.

Mas naquela sexta-feira o sono tinha-me abandonado. Estava uma noite fria de Inverno, como tantas outras de outro Inverno qualquer. A cama vazia desenhava a minha silhueta solitária, era um enorme vazio, e como sempre, eu acabava por ocupar apenas um lado na cama, como se reservasse um lugar para alguém que nunca chegava.

Naquela noite desejei alguém que me abraçasse, um rosto que me sorrisse do outro lado da cama. Um beijo antes de adormecer. Um abraço terno ao acordar, um doce bom dia numa manhã de um sábado cheio de possibilidades. Há quanto tempo não pensava nisso, há tempo demais, diria. Fechei o livro, e fiquei imóvel a olhar o tecto, come se tentasse visualizar a minha vida projectada numa tela. Virei-me e abracei o travesseiro na esperança de que ele me abraçasse de volta. Fechei os olhos e apeteceu-me mantê-los fechados por uma eternidade, até que aquele pensamento me abandonasse, até que todo aquele sentir se dissipa-se até desaparecer. Que falta me fazia aquele abraço, um abraço de ninguém.

Não conseguia imaginar ninguém ali no lugar vazio do meu lado, porque a verdade é que não havia ninguém na minha vida. Nenhuma saudade, nenhum amor, nenhuma memória do passado que me consumisse. Tudo isso estava ultrapassado decadente, morto, enterrado. O que me consumia era apenas um vazio, um enorme vazio do outro lado da cama e na minha vida. Faltava reaprender a dar-me a viver, a partilhar…

Naquela sexta-feira tudo parecia diferente, embora tudo permanecesse igual a todos os dias. Talvez fosse o cansaço que não me trazia o sono. Hoje não me apetecia um corpo apenas do meu lado, um usurpar de sentidos, que terminam antes da alvorada. Hoje queria um adormecer diferente, um sentir mais forte, uma permanência, uma continuidade. Um abraço que me dissesse “é bom estar do teu lado”. Não queria um calor que me aquecesse os pés, queria um ser que me enchesse a alma.

O silêncio invadiu o meu quarto, ouvia ao longe o barulho da cidade, mas naquele instante era o silêncio que me abraçava, era a dor que chegara assim sem avisar. Rebolei sobre o meu corpo na cama e invadi o espaço que parecia reservado a ninguém. Eu nunca dormia daquele lado da cama, adormecia e acordava como se apenas metade da cama existisse. A vez que alguém existiu foi há tempo demais, e hoje nem pensei que poderia ser essa pessoa a ocupar aquele espaço. Aquele outro lado da cama era um espaço de ninguém ou de alguém que não existia, ou que ainda não tinha chegado…

Voltei a abraçar o meu companheiro de todas as noites, o travesseiro que repousa teimosamente do meu lado, do outro lado da cama. Abracei-o com tanta força, quanto aquela que ainda me restava, e chorei com saudades de ninguém, nem de coisa nenhuma, apenas com a aquela tristeza no peito de quem espera por um futuro, ao qual não se permite existência. E pela primeira vez adormeci do outro lado da cama com a esperança de acordar, na manhã seguinte RENASCIDA.