Katie Melua

sábado, 26 de setembro de 2009

Do outro lado da cama...



Mais um dia apressado que chega ao fim, sem que demos conta que acabou. Ainda há pouco o sol parecia ter nascido e já a noite me cobria negra com o seu manto. Lá fora a cidade teimava em não dormir, os carros corriam apressados e ainda se ouviam as conversas de quem passa rumo a uma noite, quem sabe de euforia. Sexta-feira, mais um fim-de-semana sem planos, sem companhia.

Era cedo mas deitei-me, peguei num livro, que tentava teimosamente ler sem nunca conseguir passar das primeiras páginas, não que o autor fosse enfadonho, mas ultimamente o sono chegava de rompante. Andava esgotada, ocupava-me com tudo e com todos, menos comigo, tinha mergulhado de cabeça em mais um projecto, como era meu costume, e isso consumia-me.

Mas naquela sexta-feira o sono tinha-me abandonado. Estava uma noite fria de Inverno, como tantas outras de outro Inverno qualquer. A cama vazia desenhava a minha silhueta solitária, era um enorme vazio, e como sempre, eu acabava por ocupar apenas um lado na cama, como se reservasse um lugar para alguém que nunca chegava.

Naquela noite desejei alguém que me abraçasse, um rosto que me sorrisse do outro lado da cama. Um beijo antes de adormecer. Um abraço terno ao acordar, um doce bom dia numa manhã de um sábado cheio de possibilidades. Há quanto tempo não pensava nisso, há tempo demais, diria. Fechei o livro, e fiquei imóvel a olhar o tecto, come se tentasse visualizar a minha vida projectada numa tela. Virei-me e abracei o travesseiro na esperança de que ele me abraçasse de volta. Fechei os olhos e apeteceu-me mantê-los fechados por uma eternidade, até que aquele pensamento me abandonasse, até que todo aquele sentir se dissipa-se até desaparecer. Que falta me fazia aquele abraço, um abraço de ninguém.

Não conseguia imaginar ninguém ali no lugar vazio do meu lado, porque a verdade é que não havia ninguém na minha vida. Nenhuma saudade, nenhum amor, nenhuma memória do passado que me consumisse. Tudo isso estava ultrapassado decadente, morto, enterrado. O que me consumia era apenas um vazio, um enorme vazio do outro lado da cama e na minha vida. Faltava reaprender a dar-me a viver, a partilhar…

Naquela sexta-feira tudo parecia diferente, embora tudo permanecesse igual a todos os dias. Talvez fosse o cansaço que não me trazia o sono. Hoje não me apetecia um corpo apenas do meu lado, um usurpar de sentidos, que terminam antes da alvorada. Hoje queria um adormecer diferente, um sentir mais forte, uma permanência, uma continuidade. Um abraço que me dissesse “é bom estar do teu lado”. Não queria um calor que me aquecesse os pés, queria um ser que me enchesse a alma.

O silêncio invadiu o meu quarto, ouvia ao longe o barulho da cidade, mas naquele instante era o silêncio que me abraçava, era a dor que chegara assim sem avisar. Rebolei sobre o meu corpo na cama e invadi o espaço que parecia reservado a ninguém. Eu nunca dormia daquele lado da cama, adormecia e acordava como se apenas metade da cama existisse. A vez que alguém existiu foi há tempo demais, e hoje nem pensei que poderia ser essa pessoa a ocupar aquele espaço. Aquele outro lado da cama era um espaço de ninguém ou de alguém que não existia, ou que ainda não tinha chegado…

Voltei a abraçar o meu companheiro de todas as noites, o travesseiro que repousa teimosamente do meu lado, do outro lado da cama. Abracei-o com tanta força, quanto aquela que ainda me restava, e chorei com saudades de ninguém, nem de coisa nenhuma, apenas com a aquela tristeza no peito de quem espera por um futuro, ao qual não se permite existência. E pela primeira vez adormeci do outro lado da cama com a esperança de acordar, na manhã seguinte RENASCIDA.

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