Katie Melua

sábado, 26 de setembro de 2009

Ainda sem título... I Parte


Era uma tarde de verão solarenga e abafada, daquelas em que o céu parece pairar sobre as nossas cabeças, como se pudesse abater-se sobre a terra a qualquer momento. Parecia apenas e só mais um dia de verão igual a tantos outros

As horas passavam lentamente, sem pressa. Saí de casa, senti o bafo quente do ar que parecia querer sufocar-me. Entrei no carro e segui, sem pressa, numa falsa e triste calma. Fui sem rumo certo. Acabei a conduzir pela Marginal rumo a Cascais, um caminho que me era docemente familiar, uma estrada que conheço de cor e onde, já antes, me perdi tantas e tantas vezes, uma estrada onde a tristeza já me tinha conduzido vezes sem conta.

No pensamento um vastíssimo vazio, de uma simplicidade mais complexa do que eu era capaz de admitir. Do meu lado esquerdo estendia-se o rio rumo à foz onde abraça o mar, se mistura, perde e transforma, onde se funde no sal imenso do mar.

Adoro o mar! Tem uma força, uma vastidão que me cativa, que me prende e me acalma. Parece que afogo nele a minha dor, a minha tristeza as minhas angústias e renasço, refeita de coisa nenhuma de cada vez que pouco o meu olhar sobre as suas águas.

Parei junto à praia e deixei-me ficar por ali dispersa em tudo e em coisa nenhuma e esqueci-me do tempo a passar. Embrenhei-me de tal forma em mim mesma que nem dei pelo pôr-do-sol lá longe no horizonte. Nem me apercebi que já a noite despontara, cobrindo com o seu manto tudo em meu redor. Estava lua nova anunciando uma noite escura como breu.

Quando dei por mim, ali parada de frente para o mar, esquecida de viver, era noite cerrada. Foi como se estivesse num estado de apático, adormecida, inconsciente. Tinha as pernas dormentes, não sei quantas horas ali estive mas certamente foram muitas. Não sei se o pôr-do-sol foi genial, só sei que estava noite cerrada quando voltei a mim, acordei.

A mim pareceu-me que ali tinha estado parada dias a fio, a mim pareceu-me a vida toda. Numa contradição, podia jurar, não fosse já ser noite, que tanto acreditava que ali tinha estado o dia inteiro como apenas breves minutos. Na verdade não tenho noção do tempo que passou enquanto ali estive, tanto me parecia um minuto como a vida toda.

Não sei o que me levou até ali naquela tarde de verão, ou talvez simplesmente não seja capaz de reconhecer para mim mesma o que na verdade me levou até ao lugar onde hoje me encontro.

Era ininterrupto… Um abraço que se perde no tempo, um beijo que se esquece de dar ou de ter dado, mas hoje era a solidão a dor sem interrupção sem um ténue vislumbre de que pudesse ter fim.

Mais uma das tua inúmeras fugas, e a pergunta que pairava no ar nem era se voltavas, voltavas sempre, podia ser por um dia, por umas horas, semanas, meses mas voltavas. O tempo tinha-me dado essa estranha certeza. A pergunta era outra, seria desta vez que eu tinha a coragem de não te abrir, mais uma vez a porta? Seria eu capaz de fechá-la definitivamente? Ou pensaria, mais uma vez, que seria capaz e, ao ver-te chegar, tão seguro de ti mesmo, tão cheio de sonhos e esperanças, perderia a coragem e escancarava a porta para te receber, como outras vezes fiz? Voltarias mais tarde, num dia qualquer sem avisar, sem perguntares sequer se podias, e aí, seria eu capaz de não te receber, de ao menos hesitar? Seria?

Irias escrever de vez em quando, perturbar a minha paz com as tuas palavras, que me embriagavam, encheres-me de sonhos e promessas e desapareceres novamente até um outro dia. Existirias para mim a espaços, aqui e ali a salpicares sem sentido a minha existência, a invadires a minha cama numa madrugada qualquer. Sem perguntas nem respostas, ias e vinhas apenas por saberes que eu largava tudo de cada vez que tu chegavas. Vivias com a certeza de poderes voltar e eu com a certeza que voltavas deixava-me apenas existir.

De cada vez que partias apetecia-me fugir, desaparecer, evaporar-me, fechar a porta, mudar de morada e apagar o teu rasto que eu seguia até mesmo inconscientemente. Eu era duas em paralelo aquela que espera e a que deixa a vida acontecer mas sem grandes expectativas não vás tu entrares pela porta a qualquer momento, não vás tu querer voltar. Vivia disponível para ti, sempre, mas inconscientemente indisponível para toda a gente.

Quando recebia uma carta ou um postal teu surgiam todas as dúvidas se algo estava a começar terminava mesmo ali mesmo antes de começar. Desta vez a tua fuga tinha-te levado até à Alemanha. Recordo aquela tarde em que chegaste a casa sorrindo com um ar jovial e alegre, com aquele teu ar de quem é capaz de conquistar o mundo e dominá-lo até se quiser. Trazias uma novidade vinhas extasiado, com a perspectiva de um trabalho na Alemanha, aliás partirias brevemente, irias ganhar muito dinheiro, quem te ouvisse, pela forma como falavas, certamente era capaz de acreditar até, que irias ficar rico, eu conhecia aquela lengalenga de cor e salteado. Mais uma vez apanhada de surpresa, bem na verdade eu já esperava que isso viesse a acontecer, só não sabia quando, mas a esperança que talvez desta vez fosse diferente morreu naquele instante. Partias dentro de uma semana anunciaste alegremente e no teu olhar havia um pedido para que eu partilhasse aquela alegria contigo, não fui capaz, tinha um nó no peito, a garganta seca e sentia uma dor aguda e fulminante era uma dor emocional mas parecia quase física.

- Queres vir? Vem Comigo! – quase me soou a piada, saída de um daqueles filmes sem graça nenhuma.
- Claro…, deixo tudo e lá vou eu para a Alemanha, fazer o quê?
- Não sei logo se vê…
Mais uma vez deu-me vontade de rir um riso misturado com angustia que me dava a certeza de que a tua partida era inevitável, tão real como ter-te naquele momento à minha frente.

Eu não podia abandonar tudo, não tinha a tua coragem e muito mesmo o teu espírito de aventura, já arriscara antes e conhecia as consequências, além do mais conhecia-te o suficiente para saber que não poderia contar sempre contigo, outras fugas viriam, tu eras imprevisível. Não nego que era essa mesma imprevisibilidade que me fascinava, aliás isso tinha tanto de fascinante como de aterrador, era ela que me causava angustia e dor inúmeras vezes.

Partiste uma semana depois, beijos lágrimas as promessas vazias do costume, pedias-me que te esperasse e eu jurava que sim. A tua promessa vã de que brevemente regressarias, esquecias-te é que para ti brevemente poderia ser um ano como da última vez. Não deixas-te morada nem telefone, apenas sabia que embarcaras rumo a Munique, soube mais tarde que acabarias por assentar, por uns tempos em Leipzig.

Nas primeiras semanas após a tua partida corria de casa para o emprego para esperar um telefonema teu ou ver se chegara alguma carta. Não poderás jamais imaginar a angustia a tristeza, as noites passadas em claro, os maços de cigarros que fumei, noites houve em que acredito ter contado todas as estrelas do céu. Mas o tempo foi passando, um dia atrás do outro, e a ansiedade foi diminuindo até quase desaparecer. Deixei de ir a correr para casa aquelas paredes pareciam não ajudar a esquecer-te ou pelo menos a afastar-te do pensamento.

Chegou o Natal nessa altura já a minha vida ia acontecendo, tinha posto um ponto final naquela espera doentia, comecei a sair com os amigos, noitadas, copos um ou outro olhar interessante mas continuava interiormente confinada a um espaço onde apenas existias tu. Na verdade não suportava estar em casa à noite, parecia que a noite me trazia de ti o teu cheiro, as tuas memórias, o teu nome. Recordava-me que te tinha perdido para um Mundo do qual eu nunca faria parte, e duvidava, muitas vezes, se era porque não me querias lá ou porque eu não tinha coragem suficiente para fazer parte dele e aventurar-me a teu lado por esse mundo fora.

Saía todos os dias até de madrugada, chegava tão cansada que apenas era capaz de cair na cama e adormecer, depois acordava de manhã e saía para enfrentar mais um dia. Às vezes durante o dia quase parecia que não existias “Quantos dias se passam sem tu apareceres. E às vezes penso é bom que assim seja para eu aprender a estar só”

Tinha medo do silêncio, do silêncio e daquelas quatro paredes que se fechavam sobre mim de cada vez que me apanhavam entre elas. Recordações a mais tão vividas que me atormentavam, como fantasmas, de cada vez que a noite caía. Ainda havia sítios onde não ia, músicas que não queria ouvir e uma casa, que era minha, e onde não queria estar a rua era o meu refúgio, a noite, os bares e discotecas de Lisboa e um grupo de pseudo-amigos que de mim sabiam pouco mais que o meu primeiro nome.

Uma vida fútil, vazia mas que me fazia andar à tona de água que me dava a capacidade de sobreviver e enfrentar o dia a dia, sem me afogar, sem perder definitivamente o pé. Pelo menos, aparentemente vivia, aparentemente para quem me rodeava eu estava a “superar bem”. O resto pouco ou nada importa, como eram as minhas noites, os meus dias sem ti, nunca saberás, como nunca ninguém soube.
Uma noite após a outra, passavam por mim sem que eu desse por isso, sem que eu parasse para ver, para poder aperceber-me que embora vivesse tinha parado de viver.

As tuas cartas alimentavam por breves instantes as minhas esperanças finalmente uma morada para onde eu podia enviar cartas que provavelmente nunca lerias. Seguiam apressadas umas atrás das outras nada havia para contar se não o que se passava dentro de mim. Chegou um convite para te visitar em Lepzig iria ter contigo a Munique, uma semana. Mais uma vez, sem hesitar sem olhar para trás, aceitei.
Recordo-me que era inverno, talvez fosse Janeiro, não sei ao certo, apanhei o avião em Lisboa, deveria chegar a Munique ao fim da tarde. Rumei a Amesterdão onde faria uma curta escala, e depois a Munique. Cheguei a Munique já era noite embora ainda fossem 17 horas. Saí do avião a pé dirigi-me ao tapete para recolher a mala e fui até à sala de chegadas, lá estavas tu, viste-me sorriste, correste para mim como uma ansiedade quase infantil e um sorriso que, juro parecia capaz de iluminar uma sala inteira. Abraçaste-me como se me quisesses fundir em ti. Foram dias maravilhosos, não posso dizer que matei todas as saudades mas senti como se nunca tivéssemos estado separados nem por um só instante. Era isso que era mágico, podíamos estar meses a fio separados mas quando estavas juntos nada disso importava, nunca perdíamos tempo a falar do tempo que tínhamos estado separados mas sim a aproveitar o pouco tempo em que estávamos juntos. Ofereceste-me uma escultura em madeira, talhada no tronco de uma árvore tinha precisamente 1 metro e 78, era o meu corpo reconheci-o… mas sem rosto, apenas o corpo. E nas costas escrito “Curinga” representado pelo 2 de espadas, um símbolo que apenas tinha significado para nós. Infelizmente a escultura acabaria por ficar na Alemanha, tinha sido esculpida pelo simpático dono da estalagem onde residias. Berghütte van den Berg (qualquer coisa como refúgio da montanha). Foi até engraçado que quando me viu perguntou-te num inglês tosco se eu era a rapariga da escultura. Pelo o que fiquei a saber já lhe tinhas falado em mim muitas vezes, o que me fez sentir uma espécie de conforto absurdo, como se fosse a prova de que, também tu, não tinhas deixado de pensar em mim.

Recordo-me que a semana passou num ápice, quando dei por mim estava de regresso a Lisboa e à vidinha de sempre, mas com a promessa que voltarias definitivamente para Lisboa antes da Primavera. Claro que definitivamente nada mais era que até uma próxima vez.

Os dias foram passando, quando regressei escrevias-me e telefonavas com muito mais frequência, não havia semana em que não recebesse uma carta tua ou um portal, telefonavas com alguma frequência e a minha existência tornava-se mais suportável.

O Inverno passou e chegou Abril, era Páscoa eu estava de férias em casa, recebi um telefonema teu, como já era habitual, falamos durante alguns minutos, despedimo-nos com um beijo e um tímido gosto de ti… No dia seguinte recebi um envelope com um bilhete de avião para Paris e um cartão a dizer “Vem ter comigo, espero-te!”, a partida estava marcada para o dia seguinte.

Parti de manhã bem cedo, estava um magnifico dia de primavera, na mala levava pouca roupa, fui sem saber quando regressaria o bilhete era só de ida, mas também não era grave ainda tinha cerca de uma semana de férias, daria tempo para marcar o regresso. Cheguei a paris a Orey na sala de desembarque lá estavas tu à minha espera, saímos do aeroporto e rumamos ao centro de Paris. O dia estava frio, ao contrário da manhã primaveril de Lisboa, abraçaste-me caminhamos abraçados pelas ruas de Paris junto ao Senna, numa paisagem romântica onde parece que o Amor paira no ar constantemente. Começou a chover, apanhamos um táxi e fomos até um café tipicamente Parisiense daqueles que vimos no cinema, sentámo-nos junto a uma senhora com um cão ao colo, verifiquei que é normal em Paris ir-se ao café e levar o animal de estimação e não são apenas cães os gatos também. Bebemos um Café Parisienne. Depois levaste-me ao hotel que ficava no bairro de Montparnasse, de lá avistava-se a Torre Eiffel, disseste que tinhas uma surpresa. Perguntaste se tinha trazido algo para vestir, percebi o que querias dizer, mas não, não trouxera nada de mais sofisticado penas umas calças de ganga. Voltámos a sair por um emaranhado de ruas e vielas e levaste-me a uma loja para comprar um vestido. Voltámos ao hotel para trocar de roupa, e saímos a pé, estava frio, como se fosse inverno, caminhamos até que parámos junto à Torre Eiffel, (para continuar…)

Do outro lado da cama...



Mais um dia apressado que chega ao fim, sem que demos conta que acabou. Ainda há pouco o sol parecia ter nascido e já a noite me cobria negra com o seu manto. Lá fora a cidade teimava em não dormir, os carros corriam apressados e ainda se ouviam as conversas de quem passa rumo a uma noite, quem sabe de euforia. Sexta-feira, mais um fim-de-semana sem planos, sem companhia.

Era cedo mas deitei-me, peguei num livro, que tentava teimosamente ler sem nunca conseguir passar das primeiras páginas, não que o autor fosse enfadonho, mas ultimamente o sono chegava de rompante. Andava esgotada, ocupava-me com tudo e com todos, menos comigo, tinha mergulhado de cabeça em mais um projecto, como era meu costume, e isso consumia-me.

Mas naquela sexta-feira o sono tinha-me abandonado. Estava uma noite fria de Inverno, como tantas outras de outro Inverno qualquer. A cama vazia desenhava a minha silhueta solitária, era um enorme vazio, e como sempre, eu acabava por ocupar apenas um lado na cama, como se reservasse um lugar para alguém que nunca chegava.

Naquela noite desejei alguém que me abraçasse, um rosto que me sorrisse do outro lado da cama. Um beijo antes de adormecer. Um abraço terno ao acordar, um doce bom dia numa manhã de um sábado cheio de possibilidades. Há quanto tempo não pensava nisso, há tempo demais, diria. Fechei o livro, e fiquei imóvel a olhar o tecto, come se tentasse visualizar a minha vida projectada numa tela. Virei-me e abracei o travesseiro na esperança de que ele me abraçasse de volta. Fechei os olhos e apeteceu-me mantê-los fechados por uma eternidade, até que aquele pensamento me abandonasse, até que todo aquele sentir se dissipa-se até desaparecer. Que falta me fazia aquele abraço, um abraço de ninguém.

Não conseguia imaginar ninguém ali no lugar vazio do meu lado, porque a verdade é que não havia ninguém na minha vida. Nenhuma saudade, nenhum amor, nenhuma memória do passado que me consumisse. Tudo isso estava ultrapassado decadente, morto, enterrado. O que me consumia era apenas um vazio, um enorme vazio do outro lado da cama e na minha vida. Faltava reaprender a dar-me a viver, a partilhar…

Naquela sexta-feira tudo parecia diferente, embora tudo permanecesse igual a todos os dias. Talvez fosse o cansaço que não me trazia o sono. Hoje não me apetecia um corpo apenas do meu lado, um usurpar de sentidos, que terminam antes da alvorada. Hoje queria um adormecer diferente, um sentir mais forte, uma permanência, uma continuidade. Um abraço que me dissesse “é bom estar do teu lado”. Não queria um calor que me aquecesse os pés, queria um ser que me enchesse a alma.

O silêncio invadiu o meu quarto, ouvia ao longe o barulho da cidade, mas naquele instante era o silêncio que me abraçava, era a dor que chegara assim sem avisar. Rebolei sobre o meu corpo na cama e invadi o espaço que parecia reservado a ninguém. Eu nunca dormia daquele lado da cama, adormecia e acordava como se apenas metade da cama existisse. A vez que alguém existiu foi há tempo demais, e hoje nem pensei que poderia ser essa pessoa a ocupar aquele espaço. Aquele outro lado da cama era um espaço de ninguém ou de alguém que não existia, ou que ainda não tinha chegado…

Voltei a abraçar o meu companheiro de todas as noites, o travesseiro que repousa teimosamente do meu lado, do outro lado da cama. Abracei-o com tanta força, quanto aquela que ainda me restava, e chorei com saudades de ninguém, nem de coisa nenhuma, apenas com a aquela tristeza no peito de quem espera por um futuro, ao qual não se permite existência. E pela primeira vez adormeci do outro lado da cama com a esperança de acordar, na manhã seguinte RENASCIDA.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

33 anos




Hoje acordei e vi que a minha vida nada era do que eu um dia sonhara….. e a de alguém é, perguntei. Fiquei sem resposta, os sonhos crescem connosco, evoluem, mas os meus ainda são os de criança. Cresci depressa demais e não deixei que os meus sonhos crescessem comigo. Ficaram pequeninos à medida da minha meninice, e hoje não tenho nada. Deixei que um amor podre governasse a minha vida, deixei que alguém que não merecia fosse grande demais. Foram anos quase metade da minha vida, agarrada ao que nunca existiu se não na minha cabeça, na minha patética fantasia de criança.

Desejei fazer de Agosto um mês feliz, o mês que me viu chegar ao mundo, e parece que todos os meus erros nele se encontram, talvez até ter nascido tenha sido um erro, o maior, o mais grave mas o único que não foi meu. Foi em Agosto que larguei uma vida que tinha construído e que a deitei no lixo, com desprezo por mim mas com um amor desmesurado por alguém que nunca o mereceu. Foi em Agosto que recebi a carta mais dolorosa mas que na altura senti com doçura, foi em Agosto tudo, nesse mês que me amaldiçoa…. Foi em Agosto que me casei com alguém que eu não amava, mas que acolhi em busca de um sonho, tentei mas quando não há amor nada se consegue.

Talvez seja eu o problema, talvez sonhe demais, pense demais, sinta demais, talvez eu seja demais para mim própria e mais ainda para os outros. Talvez eu tenha fechado todas as portas e janelas e agora que as abri me assuste e viva apavorada. Só sei que hoje não tenho nada, e que me culpo constantemente por nada ter. Que carrego essa culpa nos meus ombros, mas que também com ela já não sei viver. Talvez me apeteça fugir, embora saiba não ser essa a solução. Mas porquê não começar de novo num outro lugar, longe daqui? Porque não? Porque não tenho coragem, porque a novidade me assusta e o desconhecido mais ainda.

Vou fazer 33 anos, e mais uma vez só queria estar longe daqui, num outro lugar e ter coragem, não ter medo de recomeçar. Mas o que mais me dói é não ter mais sonhos, ter apenas aqueles que sei não poder alcançar, porque os que posso concretizar me assustam mais que continuar a iludir-me com o que não posso ter.

Não quero pena, nem compaixão, quero amizade, companheirismo, compreensão. Quero partilhar, sentir, amar…. quero uma vida nova, recuperar o que perdi, o tempo não volta atrás, mas posso melhorar o que ai vem. Não sei como, mas sei porquê.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Simplesmente Maria




Era noite e lá fora a chuva caía levemente como se de neve se tratasse. Olhei pela janela e reparei que os telhados brilhavam, as árvores sorriam e na rua formavam-se várias poças que reflectiam o céu cinzento por entre os pequenos círculos da chuva.

Dirigi-me para a sala e acendi a lareira para poder ficar com uma temperatura amena. Liguei a televisão. Depois de vários “zapping”, aborreci-me. Decidi ir até à biblioteca, para mim, um dos locais mais aprazíveis da casa e sentei-me na poltrona em couro castanho. Na parede em frente tenho a minha vastíssima colecção de livros, tudo bem separado para ser de fácil procura. Predominam os romances, ou não seria eu um eterno romântico apaixonado pela vida. Perdido no olhar, observando cada um deles, deparei-me a fixar o olhar num deles: “Vai onde te leva o coração” de Suzanna Tamaro. Recordei a leitura e sorri. Sorri porque é assim que gosto de viver, sentindo a vida e ir onde o meu coração me quiser levar, apesar deste meu coração romântico me levar por vezes, por caminhos tortuosos.

Pouco me importa neste momento essas dores passadas, que embora me atormentem de vez em quando, faço os possíveis para que permaneçam no seu lugar… no passado. A verdade é que na maior parte do tempo não consigo.

Dirigi-me de novo para junto da janela, continuava a chover no entanto agora o que via não me parecia tão sorridente. A tristeza invadira-me o coração, ou talvez fossem apenas as saudades.... de alguém ou de alguma coisa. Não sei!

Aquele livro…ah ou seria da solidão? Aquela que não me larga, nem mesmo quando os amigos me invadem a casa, desde aquele dia em que te partiste sem dizeres uma palavra, sem réstia de consideração por todo o amor que te dava, que sentia por ti e… que ainda sinto.

Cada dia que passa afasta-me cada vez mais de mim mesmo e aproxima-me assustadoramente da memória de ti, dos nossos momentos, das recordações que eu tento a todo o custo apagar.

Apetecia-me falar-te, fazer-te perguntas: Que nos acontecera? Nunca me amaste?
Roubaste do meu peito, todos os sonhos, todas as emoções e estupidamente eu deixei-me levar pelo coração …. que engano.

Mas não desisto de me deixar levar… mas este maldito apenas me transporta para o teu lado, mesmo sabendo que tu já lá não estás, que nunca estiveste. Tento largar a tua imagem, mas sigo-te como a uma miragem… e não te alcanço. Imagino os teus braços abertos que nunca se fecham para me abraçar. Faço de ti o meu horizonte quando te encontro em todo o lugar. Tua boca, teu corpo, o teu silêncio devastador….

Nunca mais disseste uma palavra, nem te interessaste por saber se era vivo… tentaste saber de mim através de amigos comuns, mas nunca tiveste a coragem de pegar no telefone e dares um simples “Olá”.
Tu sabias o quanto me tinhas magoado, sabias que te perguntaria vezes sem conta “O que nos acontecera?” até que obtivesse uma resposta.

Mas sabes, foi sempre o teu silêncio que me arrasou, mesmo quando estávamos juntos limitavas-te a superficialidades, quando te perguntava algo respondias com monossílabos como se fosses uma criança. Era assim que eu te sentia mulher-menina … dona e senhora da minha vida fonte dos meus desejos.

Nunca me falaste de ti, o que eu pensava conhecer de ti (e digo pensava porque hoje estou certo que nunca te conheci.)… depreendia-o através dos teus gestos, das breves observações que fazias sobre banalidades.

Nunca me disseste o que gostavas, eu adivinhava-o pelas reacções do teu olhar, do teu corpo, das subtis mudanças de expressão do teu rosto. Adivinhei mal e tu nunca me o disseste, e eu tolo achava que eras feliz do meu lado. Pobre pateta …. tão cego andava eu pelo teu amor, e continuo… pois desejo a cada instante o teu regresso.

O teu silêncio, se soubesses a angústia de não ter podido fazer nada, a estúpida sensação de impotência, senti-me um inútil incapaz de te fazer feliz, incapaz de te ver partir desejoso de te ver voltar. E nem na partida a tua boca se abriu…., apenas insultos mas nunca uma explicação um porquê.. O que nos tinha conduzido até aquele momento? Porque ficaste tanto tempo se nunca me amaste?

Lembro-me daquela noite… chovia tal como hoje, violentamente o vento soprava, pelo céu irrompiam relâmpagos seguidos de enormes estrondos ensurdecedores. Entrei em casa completamente encharcado, deparei-me com um estranho silêncio, olhei o relógio, eram 20:30 e pensei “já devia ter chegado…”

Percorri o hall e fui directo à cozinha, que ficava do lado oposto da casa, bebi um copo de água e dirigi-me para a sala. Fiquei paralisado à porta, lá estavas tu, silenciosamente sentada no escuro. A luz da rua iluminava discretamente o teu rosto e apercebi-me que estavas a chorar. Aproximei-me de ti, sem proferires uma única palavra levantaste-te de rompante, esticaste o braço, afastaste-me do caminho com desdém e seguiste até à porta. Paraste.

Lembro-me que olhava para ti e tu permanecias imóvel como uma estátua de costas para mim. Eu fiquei colado ao chão, tudo me parecia tão surpreendente, aliás tu eras surpreendente, mas era isso que me prendia a ti, era essa a minha âncora a minha amarra, e tu o meu mar violento que mexia com a minha existência de uma forma única e deliciosamente inexplicável e incompreensivelmente tão irracional.

De repente viraste-te para mim, deste dois passos na minha direcção e paraste, parecia que as palavras se te prendiam na garganta, não aguentei mais e perguntei

- Que se passa Maria?
A tua resposta foi um profundo e prolongado suspiro, caminhei até ti
- Pára!! – Gritaste.
- Que aconteceu? Ainda ontem estavas tão bem, alguma coisa comigo? Fiz-te algum mal Maria….. Não te compreendo
- Pois o mal é esse…..
- Que queres? – perguntei num tom desistente.

Dirigiste-te novamente para a porta pegas-te no casaco, com a aquele teu ar tranquilo e avassaladoramente silencioso. Estranhamente o teu olhar secara e de lágrimas nem sinal.
Não aguentei…. corri para a porta e perguntei numa tranquilidade quase frágil

- Que estás a fazer? – Como se eu já não soubesse que o que mais querias era saír por aquela porta sem sequer olhares para trás.

- Não quero nada…. nem sei se algum dia quis….
Os teus olhos pareciam punhais tamanha era a frieza, não só das palavras como a que vi naquele instante contida em teu olhar.

- Não acredito… Maria…. que frieza … algo aconteceu e eu não vi…. - pois eu estava cego.

- Pois o problema sempre foi esse… ou nenhum, provavelmente o problema sou eu…. Estou cansada desse teu amor patético… ainda hás-de me dizer o que te dei? – elevaste subitamente a voz – Nunca te dei NADA! Mas esse teu amor por mim é tão submisso, tão permissivo… tão patético. A palavra é mesmo essa Patético. Cansa-me, esgota-me tanto amor … tanta tolerância……

De repente deixei de te ouvir, recolhi-me no meu silêncio, via os teus gestos, sentia a agressividade das tuas palavras e senti-me verdadeiramente patético. O que nunca disseras disseste-o num segundo, e tinhas tudo isso dentro de ti e eu nunca vi, nunca sequer o imaginei, pior nunca o senti. Vivi uma ilusão com uma pessoa que eu inventei, tão imaginária como qualquer personagem de BD, e ao mesmo tempo tão real
Fiquei parado no hall de entrada a olhar para ti enquanto falavas. Imóvel escondido no meu silêncio de não te querer ouvir. Antes de saíres ainda te ouvi dizeres:

-…. desculpa se te enganei nunca compreenderás porquê. Esse teu amor por mim nunca permitiu que visses quem sou, eu tentei, Adeus!

Sorri, nem me lembro bem porquê, por ironia talvez. Guardei na memória “eu tentei”. Tentaste o quê? Dizer-me? Fazer-me entender? Será possível que o meu amor por ti tenha sido tão cego, tão patético, como tu mesma disseste? Não sei. Mas se esse meu amor foi patético ainda o é, porque ainda te recordo com carinho, com dor com ódio. Sim Maria… o amor e o ódio andam tão próximos como a guerra da paz e a coragem do medo.

Estás a ver… ainda falo contigo como se estivesses aqui, ao alcance da minha mão. A cada dia que passa chego à conclusão que ainda te amo, que não te esqueci, provavelmente nunca te esquecerei porque a vida não permite que coexistam na mesma existência duas Marias. E nunca me fizeste bem, é o que me dizem e eu sei que é verdade, mas deste-me coisas que ninguém imagina o quanto me fizeram bem, o quanto me enalteceram.

Será que te amo porque mendigo amor por ai como um idiota? Tu foste aquela que engrandeceu a minha tão pequena existência, encheste de luz o meu mundo que as amarguras da vida escureceram… foste tu, só tu Maria.

Hoje estou aqui arrependido ou não, não sei. Mas só … só quando o teu cheiro ainda enche esta casa, quando as memórias de ti não me deixam esquecer-te. Não esqueço o teu sorriso traquina… a tua tranquilidade a cada passo… a segurança com que entravas numa sala e a deslumbrante luz com que a enchias num instante, no terno esboçar de um sorriso.

Este ser patético, aqui permanece, amarrado ao amor que te tem… perdido num mar infindável de perguntas sem resposta, desde o dia em que partiste. Porque partiste? Como podes dizer que nunca me amaste se eu tão intensamente assim o senti? Foi um engano, uma ilusão… mas que magia tal exerce esta minha fascinação por ti. Puro deslumbramento, insanidade talvez.

Há dias em que desisto de tentar explicar, outros em que tento a todo o custo arranjar um motivo um ponto de partida que me ajude a esquecer-te. Faço um esforço para que o ódio do abandono vença a estupidez deste amor e não consigo. Como se tudo o que por ti sinto fosse mais forte, mais poderoso que qualquer desejo meu de paz. Essa paz que não encontro, que nem sei mais se existe, mas que certamente nunca conheci a teu lado.

Talvez o meu amor por ti se tenha alimentado de pequenos nadas, talvez tenha sido um amor auto-suficiente que para não se extinguir alimentou-se da ilusão de que era correspondido. Porque eu sentia que me amavas, embora tu nunca o dissesses. Via-o no teu olhar, nos teus gestos na alegria que encontravas do meu lado…. nas gargalhadas, nos momentos que partilhávamos e na cama... Sim Maria, jamais esquecerei os teus beijos, o doce sabor dos teus lábios, o delírio que era para mim tocar teu corpo, beijar-te os seios, sentir-te enlouquecer… O ondular do teu corpo no meu colo… os gemidos no meu ouvido, as tuas mãos a passear no meu corpo. Os teus seios no meu peito… a sensualidade com que os roçavas no meu rosto. Tudo Maria.
Fazias amor como uma deusa…. Nunca poderás compreender o teu poder, mulher-menina rainha dos meus sonhos, nunca compreenderás o que é poder estar dentro de ti… uma união plena, um despertar deslumbrante para a vida, um renascer a cada instante em que te toco… ou melhor tocava. Maria…. sempre, eternamente Maria …

Bom ou mau, recordo-te como só eu te conheci, ou imaginei, como queiras…. serás sempre mulher-menina, a deusa que entrou e transformou a minha vida a rainha dos meus sonhos, dona e senhora dos meus desejos…. Eternamente tu … simplesmente Maria!